|| Caim
Mesmo sem ter lido o livro – o que espero vir a fazer – e estando 100% de acordo com o que aqui se diz e escreve, como soi dizer-se: “Saramago sabe muito mas anda a pé”. O livro teria de ser rigorosamente Caim, o criminoso. Nunca Abel, o inocente.
Escreve Karl Marx no capítulo “Teoria da Mais Valia” do Capital:
«O criminoso produz crimes. Se olharmos mais de perto as relações que existem entre este ramo de produção e a sociedade no seu conjunto, ultrapassaremos muitos preconceitos. O criminoso não cria apenas crimes: é ele que cria o direito penal. (…) Mais: o criminoso cria todo o aparelho policial e judiciário – polícias, juízes, carrascos, jurados, etc. – e estas diferentes profissões, que constituem igual número de categorias da divisão social do trabalho, desenvolvem diferentes faculdades do espírito humano e criam ao mesmo tempo novas necessidades e novos meios de as satisfazer.
O criminoso cria uma sensação que participa da moral e do trágico e ao fazê-lo oferece um «serviço», mobilizando os sentimentos morais e estéticos do público. Não cria apenas tratados de direito penal: cria igualmente arte, literatura, ou seja, tragédias, sendo disto testemunhas não só La Flaute de Müllner e Les Brigands de Schiller; mas também Édipo e Ricardo II. O criminoso quebra a monotonia e a segurança quotidiana da vida burguesa, pondo-a assim ao abrigo da estagnação e suscitando a interminável tensão e agitação sem a qual o estímulo da própria concorrência enfraqueceria. Estimula assim as forças produtivas (…).
Descobrindo incessantemente novos meios de se dirigir contra a propriedade, o crime faz nascer incessantemente novos meios para a defender, de modo que o criminoso dá à mecanização um impulso tão produtivo como aquele que resulta das greves. Para lá do domínio do crime privado, teria o mercado mundial nascido se não houvesse crimes nacionais? E as próprias nações? (…).»
Leitura aconselhada. Ver também Marxismo em estado puro
(Na imagem Malcolm John Taylor aka Malcolm McDowell em A Clockwork Orange)