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DER TERRORIST

"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.

Meltin' in a pot of thieves *

por josé simões, em 07.04.23

 

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Tinha para aí 10 anos fui com os meus pais à Semana Santa em Sevilha. As gajas descalças na procissão a chover, os gajos de Klu Klux Klan e o caralho. Grande cena para um puto. Ao almoço, num restaurante qualquer, "o que é que queres?" pergunta o meu pai, "um bife de cerdo" respondo. Um silêncio instantâneo no restaurante, a espanholada toda a olhar para a nossa mesa, o garçon com cara de quem ia ali mesmo na gravata do meu pai amolar uma faca para me decapitar, o meu pai mais rápido que a própria sombra "ele vai comer calamares", e eu "porque é que não posso comer um bife?", a minha mãe "xiu, não se fala mais nisso". Foi o meu primeiro choque com os talibãs antes de haver talibãs. A religião não é o ópio do povo, como dizia o outro, a religião lixa é o bife ao povo.

 

[Imagem de autor desconhecido]

 

* Gloria

 

 

 

 

Férias de Agosto

por josé simões, em 21.08.17

 

Doca das Fontainhas Américo Ribeiro.jpg

 

 

A minha primeira crónica semanal, aos domingos no Jornal de Notícias:

 

Agosto, um tédio do caraças nos intervalos de lançar papagaios de papel na “barreira” que era o nome das escarpas do Bairro Santos Nicolau até anos mais tarde o maior destruidor do urbanismo e da memória da cidade de que há memória, promíscuo com o futebol e o pato-bravismo, campeão do endividamento e esbanjador do património municipal  – o mui socialista Mata Cáceres as ter baptizado de S. Nicolau. Papagaios políticos. Os verdadeiros. De cana e guita, feitos com cartazes pedidos aos coladores que todos os dias, de balde de cola e trincha de caiar nas mãos, invadiam as ruas do bairro. Papagaios do PS, do PPD, do PCP, do MDP/CDE, do MES e da FSP, da FEC m-l, da LUAR – era o meu, do CDS não havia que isto é a cidade vermelha e o pessoal aqui não brinca em serviço. Papagaios políticos [sem segundas intenções].

 

Bora ao banho à doca? E lá ia o pessoal todo, ladeira das Fontainhas abaixo. Ao banho em cuecas, de gola alta de seu nome, que nem Coca-cola havia quanto mais underwear Calvin Klein. Ao banho e a nadar à Mark Spitz de uma ponta à outra da doca, ao comprido e de atravessado, a jogar ao apanha dentro de água e por cima dos botes, das traineiras, das barcas e das bateiras e dos rapas e a fugir do remo nas costas dado por um pescador com toda a força. “à pá sóce, levas um murre puz bêçes caté ficas a fazerre dominó pós dôs lades!” [à pá sócio, levas um murro pelos beiços que até ficas a fazer dominó para os dois lados].

 

Férias de Agosto em Setúbal no tempo em que só os algarvios iam para o Algarve nas férias e antes do tempo de um algarvio ter querido transformar o bom aluno no paradigma da prestação de serviços na Europa e arredores e de ter pago para abater olival, pomar, e os barcos da doca das Fontainhas, onde nunca mais ninguém jogou ao apanha, nem mais ninguém apanhou peixe, os camiões espanhóis chegam todas as manhãs de Málaga, para assarmos sardinhas que servimos aos comboios de carros chegados de Lisboa pela auto-estrada, filas contínuas deles, que peixe já não é comida de pobre e também já não há carroças para puxar. É ir à doca e ver. Até foi alargada há pouco, havia falta de espaço para fundear embarcações de recreio do Portugal de sucesso do “dinheiro da CEE” e há falta de espaço nas tabernas dos edifícios fronteiros, com chão de serradura por causa dos escarros e cuspidelas, onde os marítimos se juntavam a beber traçados e a jogar à sueca com baralhos de carta espanhóis e cigarros Winston de contrabando no canto da boca, três vintes e Kentucky fumavam os putos, agora convertidas em restaurantes de peixe assado e choque frrite [choco frito], com os velhos sobreviventes nos andares de cima a ver o movimento para matar o tempo e a morrer devagarinho em terra que já ninguém morre no mar, pelo menos em Setúbal, do lado das Fontainhas.

 

[Na imagem a "Lavagem das Redes na Doca das Fontainhas", Américo Ribeiro]

 

 

 

 

||| Bruce Lee no telhado

por josé simões, em 27.11.15

 

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Havia o Cinema-Esplanada, ao ar livre como o próprio nome indica e que só funcionava nas noites de verão. Filmes de cobóis, de piratas, de gangsters, do Bud Spencer, de porrada em geral e de porrada em particular, a enxurrada do porno no pós 25 de Abril, sempre com sessões esgotadas – "a sede de uma espera só se estanca na torrente", filmes de karaté – que não estavam incluídos na categoria "porrada" e filmes do Bruce Lee – que não estavam incluídos na categoria "porrada" nem na categoria "karaté". E havia "o telhado" que era o nome de umas ruínas mesmo mesmo mesmo por detrás do Cinema-Esplanada, mais altas que o muro que tapava o ecrã aos mirones e que impedia os penetras de saltar e que era assim a modos uma espécie de 3.º anel para onde iam os tesos e os putos que saíam de casa a socapa dos pais. Vi-os todos, todos mesmo. O Dragão. O grito que acompanhava o golpe. Bruce Lee no telhado. Faria 75 anos hoje.


[Imagem]

 

 

 

 

|| Memorial to all victims

por josé simões, em 31.01.12

 

 

 

By Martin Papcún and Adam Jirkal of Atelier SAD, St. Jakob’s Square, Munich.

 

 

 

 

 

 

|| Da normalização da memória

por josé simões, em 09.01.12

 

 

 

[Via]

 

 

 

 

 

 

|| Nowhere/ Boredom, uma crise existencial

por josé simões, em 20.11.11

 

 

 

Um gajo descobre que pertence a uma geração de merda quando liga a televisão e dá de caras com uma gaja que andou com ele na escola e que está ali porque tem o filho na Casa dos Segredos.

 

 

 

 

 

 

|| After hours (Um post privado)

por josé simões, em 07.03.11

 

 

 

 

 

 

 

 

 

|| Mercedes, o poder das marcas. (Isto anda tudo ligado)

por josé simões, em 18.02.11

 

 

 

 

 

Lembro-me como se fosse hoje. No Liceu, nos idos do pós-PREC, havia o pessoal da JSD e da JC (os betos) e havia o pessoal da JSD e da JC (os outros), por identificação, por pensarem que se fossem todos da JSD e da JC passavam também a ter muito dinheiro no bolso para comprar Marlboro e a usar, como por artes mágicas, umas calças Wrangler um pullover Lacoste e uns ténis John Smith. Lembrei-me disso ao ver a publicidade que tomou de assalto alguns jornais on-line.

 

Everybody:

 

«Oh Lord, won't you buy me a Mercedes-Benz? My friends all drive Porsches, I must make amends, Worked hard all my lifetime, no help from my friends, So Lord, won't you buy me a Mercedes-Benz?»

 

 

 

 

 

 

|| O princípio do fim

por josé simões, em 04.02.11

 

 

 

 

 

Faz hoje 50 anos, ainda não era nascido, que se deram os acontecimentos que levariam a que 14 anos depois caíssem de “pára-quedas” na minha turma na então recém inaugurada escola secundária da Bela Vista em Setúbal, o último grito ao nível das escolas, ainda sem o gueto e sem guetos dentro do gueto como paisagem, um seres vestidos de modo estranho, sempre de camisa e sandálias de sola de pneu de camião, fizesse chuva ou fizesse sol, que tratavam as raparigas por garina e os rapazes por madiê, não sabiam onde parava a família desde que tinham dado à costa em Lisboa, mas moravam num hotel apesar de terem menos dinheiro que eu, não gostavam do Duo Ouro Negro porque era música para enganar europeu e em contrapartida ouviam Osibisa, Miriam Makeba, Fela Kuti, e Jorge Mendes & Brasil 66, umas coisas muuuuuitos boas que me deram a conhecer e das quais nunca mais me esqueci, numas festas que organizavam aos sábados à tarde, farras de seu nome, e para as quais me convidavam. A estrela que “traziam cozida” na banda do casaco dizia “Retornado” mas na realidade eram refugiados porque ninguém retorna a uma terra que não o viu nascer, e vestiam assim porque era o que tinham em cima do pelo no dia da partida. Ainda hoje somos amigos.

 

(Em stereo)

 

(Na imagem mapa do império colonial português igual ao que havia na parede da minha sala de aulas na escola primária)

 

 

 

 

 

|| Rewind

por josé simões, em 28.06.10

 

 

 

A imagem que ficou foram as tardes de chuva a preto-e-branco, sempre. A minha mãe na cozinha a passar a ferro eu à mesa a fazer intermináveis cadernos de contas com tabuadas do 7 do 8 e do 9. A rádio, também ela a preto-e-branco, baixinho num programa em que o genérico era o chamamento de um soldado na guarita: “Está aleeeeertaaa?!” e respondia outro “Alerta estáaaaa!”, depois os telefonemas: “Esta música para o meu querido filho que está na Guiné”, outra “Dedico a canção ao meu namorado que está em Angola no Batalhão de Caçadores nº…”, outra ainda “Com saudades da mulher e filhos para o soldado tal em Moçambique na Companhia tal e tal”.

 

E eu na mesa da cozinha ao lado do ferro de engomar que comandava os movimentos da minha mãe: nove vezes um nove, nove vezes dois dezoito, nove vezes três vinte sete (…) nove vezes sete… nove vezes sete… nove vezes sete… Sai carolo com toda a força da mão livre, a que segurava a gola ou a manga em cima da tábua de engomar, nove vezes sete sessenta e três.

 

Lembrei-me disto há bocado quando vinha a conduzir e me saiu a Maria José Valério na rifa do auto-rádio:

 

«Cuidado, rapazes, cuidado muito cuidado; há mulheres que de tudo são capazes, e a fortuna não está sempre ao nosso lado. Não se casem não, rapazes.»

 

(Imagem de Jean-Jacques Palix)

 

 

 

|| Se acreditarmos com muita força as coisas passam realmente a ter acontecido como desejamos?

por josé simões, em 08.06.10

 

 

 

E depois fazem do Seagull o que ele nunca foi.

 

O Seagull era a discoteca dos betos, por opção da gerência e pela situação geográfica, onde só se ia de carro ou de mota, nos anos do desemprego e das bandeiras negras na cidade de Setúbal. Não é difícil  adivinhar quem tinha carro e mota para ir ao Seagull.

 

No Seagull tocava pop-rock beto-manhoso, desde o mais comercial dos Human League, passando pelo pelos Cheap Trick até ao Paradise by the Dashboard Light de Bat Out Of Hell do Meat Lof com um “live the kids alone” dos Pink Floyd pelo meio, com toda a gente a cantar em coro no meio da pista de dança.

 

No Seagull fumavam-se uns charros à socapa, que beto não é santo, e apanhavam-se umas bebedeiras de caixão à cova e volta e meia morriam uns e umas nas curvas da Figueirinha.

 

No Seagull faziam-se uns engates com aquelas betinhas mais prá frentex, filhas herdeiras das “boas famílias” das elites fabricadas e enriquecidas nos anos 40 na cidade à roda das industrias conserveiras, da Sapec e outras trafulhices, e que como eram boas filhas de “boas famílias” eram ratadas pelas costas à má-língua pelos outros betos, também eles filhos de “boas famílias”, porque as “boas famílias” eram quase todas da mesma família e convinha ser cavalheiro e manter as aparências.

 

No Seagull o porteiro tratava mal quem não era da família e de “boa família” e depois lá dentro a família também contava e não era liquido que só pelo facto de se ter entrado o tratamento fosse melhor no acesso ao líquido.

 

Ao Seagull ia-se como se ia para a escola, calça de ganga, polo e sapatinho “vela” sem peúga, mas convinha ser calça Wrangler e polo Lacoste, e na falta do sapatinho “vela” sem peúga uns All Star lavados estava muito bem, se bem que bem bem era John Smith branco. Tudo muito beto “in”.

 

Ao Seagull iam os betos e ilhas adjacentes, à Cubata ia o povo mainstream e os freaks do underground iam ao Chora que tinha a melhor música do distrito e arredores, mas onde ninguém ia por causa dos “drogados”, das raparigas “mal comportadas” e dos cabelos compridos.

 

O Seagull era uma discoteca absolutamente banal que fez história pela situação geográfica. Ponto final.

 

Não me venham cá com produções baratas de Hollywood que eu frequentei o Seagull. Até demasiadas vezes para o meu gosto. E  já gastei mais caracteres com esta treta do que o que estava programado.

 

(Imagem Enoch Powell addressing Don McPhee, 1974, Belfast)

 

 

 

 

|| Antisocial

por josé simões, em 01.03.10

 

 

 

O terem-me chamado anti-social no Twitter remeteu-me para os meus 17 anos e para um vinyl que está algures ali para os baús, esquecido mas não abandonado, e que ouvia até à exaustão. É verdade é verdade, sou eu.

 

 

 

|| Já teve do pé-ré

por josé simões, em 27.02.10

 

 

 

Eu andava na escola primária no tempo em que a escola primária não tinha número nem agrupamento escolar, era a escola “do Sousa” porque “o” Sousa era o director e a escola “do Sousa” era a escola onde andavam os filhos dos pescadores do bairro das Fontainhas, só até à 3ª classe, vá lá até à 4ª, e depois iam alinhar nas traineiras que a vida custava a toda a gente. Com um bocadinho de sorte conseguiam ir trabalhar para a estiva que era menos perigoso dava mais dinheiro e acesso a garrafas de uísssquee e tabaco estrangeiro e outras coisas do contrabando. Andava na escola “do Sousa” que ficava no bairro das Fontainhas que já foi bairro de pescadores e que agora é bairro onde os “turistas” de Lisboa vão ao fim-de-semana comer peixe assado, parece uma reserva de índios mas eles acham very tipical e vão felizes para casa e nos ficamos felizes por os ver ir felizes, adiante… e morava no bairro Santos Nicolau, bairro de pescadores e rival do bairro das Fontainhas, daquelas rivalidades de meter porrada de três em pipa só por olhar para a mulher quando ela passava na rua. E no bairro Santos Nicolau, “colonizado” por pescadores oriundos da zona de Ovar, as mulheres, as varinas, enquanto os maridos andavam ao mar com os filhos, trabalhavam nas fábricas de conserva que existiam na ladeira das Fontainhas e ao início do bairro Santos, mesmo encostadas aos muros do cemitério de Nossa Senhora da Piedade.

 

Serve esta conversa da treta para tentar explicar que brincava com eles na rua e na escola e falava como eles e quando chegava a casa vinha a falar como eles, era humanamente impossível tal não acontecer, e era repreendido e corrigido pelos meus pais. Aqui ninguém carrega no erre nem ninguém troca o éne pelo . Não era por nada, mas quem falava assim era gozado e para gozações havia o Zé Maluco e o Engenheiro da Sapec e o Finuras, personagens típicas, e os discos do Raul Solnado. Era assim Setúbal por alturas do Conta-me Como Foi, uma aldeia um ‘cadinho mais pequena do que é agora.

 

Mas quem sabe nunca esquece, é como andar de bicicleta, e quer-me parecer que já teve do pé-ré e cagorra tá prraia marre. Nã asses mai bogas cu lume tá frraque.

 

(Na imagem o Engenheiro da Sapec, foto de Américo Ribeiro)

 

 

 

|| Support Your Troops

por josé simões, em 02.12.09

 

 

 

 

Era criança e lembro-me, começava mais ou menos por estas alturas, horas seguidas de imagens a preto-e-branco de gravações com origem na Guiné em Angola e em Moçambique, com mensagens natalícias das nossas tropas no “Ultramar”: “Para a minha namorada/ esposa, pais e restante família, votos de Feliz Natal e um Ano Novo cheio de prosperidades”. Todas diferentes, todas iguais, eram eles quem encorajava os que cá ficavam, e era “verdade” porque apareciam na televisão.

 

A mesma fórmula, agora de “lá” para “lá”: um site norte-americano de apoio às tropas no Afeganistão e no Iraque, com mensagens das namoradas/ mulheres – sinais dos tempos – em lingerie e poses eróticas.

 

Boudoir For You

 

 

 

 

|| Queimar etapas

por josé simões, em 01.09.09

 

 

 

Em 1983, quando fiz o meu primeiro Interrail, à parte o ter perdido os primeiros comboios até me habituar à ideia que havia sítios onde os comboios chegavam e partiam a horas, o que me chamou a atenção foi o não haver passagens de nível em países como França e Itália. E ninguém atravessava a linha, porque até nos apeadeiros mais manhosos havia uma passagem subterrânea para passageiros.

 

Entretanto passaram 26 anos, entrámos na Europa, mas a Europa não entrou em Portugal, e os milhões para o TGV andam por aí. Não é que seja contra o TGV, antes pelo contrário, é a nossa mania de “queimar etapas”.

 

(Imagem The Southend Pier Train fanada no The Times)