"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
O índice de normalidade, aceite pela sociedade, que é ter um Presidente da República em Londres a condecorar um enfermeiro tuga com uma ordem honorífica portuguesa por ter tratado um primeiro-ministro inglês. Um povo que não se dá ao respeito não merece ser respeitado.
A partir deste dia, 25 de Abril de 1974, quando o patriotismo foi confinado, deixou de haver o desfile dos mutilados, das viúvas e dos órfãos, das mães carregadas de luto, para receberem uma medalha no Dia da Raça no Terreiro do Paço. O Chicão, que já morreu e não sabe, cheira mal que tresanda.
Fez um discurso de menos de 5 minutos, cru, minimal, sem floreados e/ ou rococós, a dispensar a intervenção das pitonisas presidenciais, como os que o antecederam no cargo, a desarmar oposições a maiorias nos oportunistas comentários ao discurso presidencial, a grande maioria das pessoas já nem se lembra do que o Presidente disse, e ainda nem sequer passaram 24 horas sobre o evento, que o pagode vai ali para ver desfilar as tropas e ver de perto os governantes, os que não foram para a praia, que é para isso que um feriado do 10 de Junho serve, para a maralha limpar a cabeça das tretas do dia-a-dia e dos discursos da treta da classe política.
Pontos a favor de Marcelo e, arrisco mesmo, a favor da credibilidade dos actores políticos.
Marcelo Rebelo de Sousa - Presidente da República de Portugal, e António Costa - primeiro-ministro do Governo de Portugal, em Paris a cantarem a Marselhesa - hino francês, ao lado de François Hollande - Presidente da República de França, em directo para Portugal no dia de Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.
Marcelo quis passar o seu primeiro 10 de Junho enquanto Presidente da República no sítio onde o costumava passar com o pai e fica-lhe muito melhor ter disto isto quando lhe perguntaram o porquê do regresso do Dia da Raça Dia de Portugal ao Terreiro do Paço Praça do Comércio, 42 anos depois, do que a desculpa enrolada que deu aos jornalistas, ele que até escreveu a fotobiografia do progenitor.
E depois há o discurso dos chavões e de toda a construção histórica, romanceada, do Portugal heróico e universalista, evangelizador e integrador dos indígenas, elaborado e escrito por António Ferro no Secretariado Nacional da Propaganda e declamado por José António Saraiva na televisão pública em horário nobre, aprendido nas secretárias de tampo de madeira com encaixe para o tinteiro necessário para a disciplina de Caligrafia em papel de duas linhas, e o tempo dado à História de Portugal e à Geografia das províncias ultramarinas, Brasil incluído, independente desde 1822, e Goa, Damão e Diu, ainda nossas nos anos 70 e em vésperas do 25 de Abril.
«Condecorações atribuídas pelo Presidente da República na Sessão Solene comemorativa do 10 de junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, em Lamego:
Por falar em "pulhas", ainda sou do tempo dos briosos deputados PSD, na rotunda do Marquês a aplaudir e cumprimentar Mário Nogueira, o líder responsável, na descida da Avenida com um ror de profs e afins atrás de si. Mas, como entre os presentes, não consta ter havido alguma "reacção vagal", já [quase] ninguém se lembra disso.
Verdadeiramente surpreendente, neste Dia da Raça do Ano da Graça de 2014, é o comissário Nogueira não ter estado entre os comendados e medalhados, pelo camarada conivente do Governo na cadeira presidencial, por altos serviços prestados à causa da destruição da escola pública.
Sem Governo, sem oposição, sem Presidente da República que, socorrido pelos militares [fundadores da democracia e último garante da soberania] e sem ter de passar pelo calvário do encerramento das urgências hospitalares e dos serviços médicos no interior do país, condecora a título póstumo o ideólogo do 'vale tudo' do regime. Fim de ciclo, saudades do futuro.