Saúde e futebóis
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Vejo na televisão o ministro da Saúde, Correia de Campos, vir dizer candidamente que vão estar isentas do pagamento de taxas moderadoras todas as mulheres que resolverem interromper voluntariamente a gravidez. O mesmo ministro que há umas semanas atrás disse que estava em estudo a possibilidade de vir a aplicar taxas moderadoras às crianças com menos de 12 anos, e… às grávidas!
Vamos lá a ver se nos entendemos: eu tenho, por exemplo, uma terrível dor de cabeça, uma terrível dor de estômago, ou sou atacado por uma gripe fortíssima; não estou doente porque me apetece ou porque sim. Dirijo-me ao SADU ou ao Hospital, e, zás! levo com a taxa
Post-Scriptum: Não sei qual é a ideia que passa pelas cabecinhas dos que fizeram campanha pelo NÃO no referendo ao virem invocar que as recomendações à lei feitas pelo Presidente da República não foram cumpridas. Acaso sabem que no nosso sistema político as recomendações do senhor Presidente não passam mesmo disso; de recomendações que têm tanto valor como a opinião do cidadão comum? Acaso não sabem que o Presidente da República não tem poder para fazer recomendações legislativas ou regulamentares; que esse poder compete ao Governo e à Assembleia da República? O poder que o Presidente tinha – promulgar ou não – foi exercido. Promulgou a Lei. Ponto final parágrafo.
Adenda: Houve uma altura em que me convenci de que as ideias deste Governo e deste ministro, para a saúde em Portugal, fossem acabar de vez com o Serviço Nacional de Saúde. Chego agora à conclusão que a ideia deste Governo e deste ministro, para a saúde em Portugal, é não terem ideia nenhuma.
Rebentaram os protestos das populações contra o projecto do Governo de requalificação das urgências hospitalares e que, até prova em contrário, consiste no encerramento puro e simples de umas quantas para, sobrecarregar outras tantas.
Mário Almeida, presidente socialista da Câmara de Vila do Conde que tinha reunião agendada com o ministro Correia de Campos para debater o assunto, vê a reunião adiada por, alegadamente o ministro se encontrar doente.
Digo alegadamente porque, qualquer que fosse a doença que levou ao cancelamento da reunião, não foi contudo impeditiva do mesmo ministro marcar com carácter de urgência, uma reunião com os jornalistas; e de há noite aparecer nos ecrãs de televisão para uma entrevista.
E como nestas coisas de jornais as urgências nunca encerram, lá foram os jornalistas ouvir o ministro dizer de sua justiça.
E que disse o ministro? Não disse, ameaçou nas entrelinhas.
Como o presidente da Câmara de Chaves se “portou mal”, vai levar nas orelhas e, por tabela, toda a população do concelho.
Ficamos assim a saber pela boca do ministro Correia de Campos que, o presidente da Câmara de Chaves “tornou a sua própria vida mais difícil” ao “contribuir para a movimentação” contra o fecho das urgências na cidade; como se não fosse uma das funções para que foi eleito – defender os interesses das populações.
E diz mais Correia de Campos, “o Governo olhará de forma diferente” para este caso em concreto, por o autarca não ter esperado pela reunião agendada para Março; isto se não coincidisse com uma recaída da doença que afectou o sr. ministro….
Edificante!
Post-Scriptum: Depois do ministro Mário Lino ter há uns tempos atrás dito ser um iberista convicto; Correia de Campos, caladinho, trabalha nos bastidores pela integração ibérica.
Encerra a maternidade de Elvas, passando a alternativa a ser Badajoz.
Nalgumas aldeias do distrito de Chaves, o tempo de caminho até ao hospital é 45 minutos; a distância da actual urgência ao Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Vila Real, ronda os 70 quilómetros – de Vila Real a Verin em Espanha são 15 quilómetros e, a Orense também do outro lado da fronteira, os quilómetros a percorrer são 50…
Primeiro foi Jorge Coelho a contestar o encerramento de urgências hospitalares, “se calhar há outros sectores que mais facilmente podem ser desengordurados (…)”. Seguiu-se-lhe António Vitorino na RTP1, dizendo que o défice orçamental não pode ser alcançado através de economias na área da saúde, advertindo para a necessidade de “explicar melhor” a decisão de aumentar as taxas moderadoras; mas mais subtil que Jorge Coelho, finta o adversário e chuta a bola para canto; o Governo “tem de fazer a demonstração da conformidade constitucional” do aumento das taxas moderadoras; e aconselha o Governo a reivindicar que “um serviço universal não é incompatível com o critério de equidade com as responsabilidades de cada um”.
Correia de Campos, Ministro da Saúde, agradece a (in)esperada mãozinha e anuncia que vai pedir ao grupo parlamentar do PS que proceda à verificação da constitucionalidade da proposta das taxas moderadoras.
Isto não é mais que uma habilidade de transpor para o plano técnico, uma discussão que deveria ser do campo ideológico.
A ver: Sendo o PS um partido que se reclama da área do socialismo democrático, preocupado com a solidariedade e justiça social, ao encaminhar a questão para a possível constitucionalidade ou falta dela, liberta totalmente o acto governativo de qualquer pendor ideológico, e o que deveria ser uma questão de princípios políticos passa a ser uma mera questão tecnocrática, não diferenciando o PS de qualquer outro partido de direita e/ ou de ideologia neo-liberal.
O famoso esbatimento de fronteiras entre esquerda e direita.
Existe alguma diferença entre constitucionalidade e justeza de actos governativos.
Não é por ser constitucional que a medida passa a ser justa.
Assim, se for declarada a constitucionalidade da medida, o processo é para avançar, e a ideologia é atirada às urtigas.
É a versão século XXI, do Partido Socialista que já havia metido o socialismo na gaveta.